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Foto do escritorC. Rebelo

Afinal quem quer ficar no Benfica?

Atualizado: 10 de ago. de 2023

Após uma entrevista recente a Carlos Vinicius, ex-atacante do Benfica, levantam-se questões sobre se a vontade dos jogadores é realmente determinante na sua saída

«Eu senti-me sempre valorizado pelos adeptos na época em que estive no Benfica a jogar. Depois, houve outras coisas a acontecerem no clube, comigo, com os treinadores…
Nem eu próprio consigo responder e as coisas acabaram por não encaixar todas. Ainda hoje, quando venho a Portugal, todos os adeptos me perguntam porque saí e respondo ‘não sei’.»

Vinicius era o avançado mais prolífico do Benfica, marcando a cada 68 minutos. Seria portanto expectável que tivesse mercado. "Recebi uma proposta de 60 milhões pelo Vinícius e não vendi", disse na altura o Presidente do Benfica, passando a mensagem que não daria prioridade à vertente financeira quando o clube apenas tinha vencido a Supertaça nessa temporada. Quatro meses depois, o jogador saía por empréstimo por apenas €3M, desvalorizando-se com esse movimento e, naturalmente, deixando de dar a sua contribuição desportiva ao clube (que tanto precisava dela na época que se seguiu, onde o Benfica se ficou pelo 3.º lugar e sem qualquer troféu).




O jogador acabaria por ser novamente emprestado, até finalmente ser vendido por apenas €5M (numa altura que o próprio jogador tinha um valor de mercado superior a isso). Anos volvidos, e a acreditar nas suas palavras, torna-se evidente que muitos jogadores entram e saem dos clubes sem que realmente tenham um papel determinante no seu percurso profissional.


Entretanto o Benfica muda de Direcção, e parece haver uma clara aposta na vertente desportiva, trazendo com isso novas expectativas para sócios e adeptos do nosso clube. Até surgir o primeiro obstáculo: Enzo Fernández.


Já muito se disse e escreveu sobre a sua saída. Na altura, e mais uma vez acreditando na versão dos acontecimentos dada pelo Presidente do Benfica, Enzo saiu porque o Presidente decidiu que o jogador "não poderia jogar mais pelo clube", por falta de compromisso e porque como adepto, não queria um jogador que "não queria estar no Benfica". E rematou dizendo que no Benfica só estaria "quem tivesse orgulho em representar o clube", alargando o recado igualmente à formação.


Concordando ou não com as palavras de Rui Costa, e não deixando de dar mérito argumentativo à premissa que usou, a verdade é que a saída de Enzo deveria, no mínimo, preparar a actual Direcção para futuras situações deste género, e acautelar hipotéticas consequências desportivas daí decorrentes. Tanto no imediato (abre-se uma lacuna inesperada no plantel que tem de ser preenchida), como a curto/médio-prazo (o arrastar da novela poderá afectar a concentração e motivação no seio do plantel, a equipa técnica desconhece se tem de mudar o plano táctico ou mesmo testar novas adaptações enquanto a situação não se resolve, o foco do scouting poderá ser alterado, e os outros clubes sabem que o Benfica tentará mover-se rapidamente no mercado e jogarem com essa informação).


A época terminou, e o Benfica foi campeão apesar da saída do argentino. Mas sobretudo ficava a lição para que no futuro, a vertente competitiva não saísse prejudicada em caso de nova novela. Ficava a lição para os adeptos, entenda-se, já que para os restantes intervenientes a amnésia provocada pelo calor das férias fez esquecer o que se passou no final do mês de Janeiro.




Tal como Vinicius, o Benfica empresta o seu melhor marcador (com cláusula opcional de venda) e tal como Enzo, foi o clube que quis de facto fazer este negócio. Porquê?


Porque sai por menos da cláusula de rescisão (que serve unicamente para denotar os casos onde o clube é irredutível à venda de um jogador), e porque a acreditar nas palavras do Presidente, é ele quem decide caso ache que um jogador não quer ficar no clube. Quis Gonçalo Ramos de facto sair? Sim, olhando ao que disse no site oficial do clube. Será ele um jogador que, à semelhança do que foi dito para Enzo, iria forçar a saída? Parece-me difícil, sobretudo não havendo quem batesse a cláusula de rescisão.





Mas se a entrevista de Carlos Vinicius nos ensinou alguma coisa, é que nem sempre os jogadores percebem bem a trajectória dos seus percursos profissionais. E não havendo quem pague a cláusula de rescisão, é o Presidente (ou direcção) quem decidem. Assim sendo, o que impediu que estes negociassem outro timing ou mesmo outros valores? Necessidade de vender rápido? Oportunidade única de negócio? Aproveitar as JMJ para despachar um jogador com vídeos pouco católicos nas redes sociais?


Esqueçamos os valores envolvidos na transferência ou intermediação de Gonçalo Ramos. As opiniões dividem-se, e em termos retóricos, aceito que haja argumentos lógicos tanto na opinião que foi bem vendido (peço desculpa, quis dizer bem emprestado) como na opinião que se esperavam outros valores por aquele que será o expectável substituto de Cristiano Ronaldo na Selecção Nacional (lá para 2044, quando o madeirense finalmente pendurar as botas). Mais do que os valores, falemos então das lições que (não) se aprenderam da saída do Enzo Fernández (Quem? Je ne sais pas)


O Benfica faz 6 jogos nesta pré-temporada, Gonçalo Ramos foi titular nos últimos 5. Por outras palavras, Roger Schmidt – treinador que como sabemos pouco gosta de mexer no seu 11 titular durante os 90 minutos e mesmo durante a temporada – montou a sua equipa no recomeço desta época claramente apostando no efémero ex-número 9 como seu goleador. E agora o goleador sai, sem testar convenientemente o seu substituto, em vésperas do primeiro jogo oficial da época, contra um rival histórico, num encontro que irá determinar um troféu que, numericamente, tem um valor significativo particularmente importante.


E estavam fartos de novela? Pois então tomem mais esta, que se arrastava desde 15 de Junho (data da primeira notícia do jornal A Bola), e onde aparentemente só o Presidente tinha spoilers. O treinador, já sabemos, contava com o jogador. Azar dele, é que o Luis Enrique também. Mas as novelas no Benfica são desinteressantes na medida que têm todas o mesmo final: "não se pode cortar as pernas a um jogador que quer dar o salto". E como vi aí escrito por muitos adeptos, ver os jogadores a saltar parece ser uma característica única no Benfica. Já outros clubes recusam a venda dos seus jogadores, que mesmo insatisfeitos por não darem o salto, continuam a cumprir o seu contrato, mantendo as prestações desportivas. É de facto um mistério.





Perante isto, em caso de perda na supertaça¹ (o histórico é pouco favorável, diga-se), quão segura está a direcção que os adeptos e sócios não lhe caiam em cima por esta gestão desportiva? Que por sinal, é recorrente e sem qualquer indicação que irá mudar no futuro? Haverá a convicção que o estado de graça pelo último campeonato permite perder contra este rival específico, dando-lhes de bandeja mais um troféu? Irão pedir calma e paciência perante a frustração dos adeptos, para confiarem no trabalho que está a ser feito e que já colheu frutos no passado? Ou seja, eufemismos para "esqueçam lá a asneirada que fizemos, pelo menos até voltarmos a repeti-la"? Derrotas, como já sabemos, levam a divisão da nação Benfiquista, mas derrotas que valem troféus contra o clube em causa, e que vêm na sequência de decisões pouco unânimes da direcção, levam a revolta.


Vejo muitos Benfiquistas usarem a expressão "zero ídolos" na saída de um jogador que fica entusiasmado por ir jogar numa liga melhor que a nossa, ou ganhar francamente mais do que aufere na Luz. Eu, que já trabalhei em vários países e em vários sítios diferentes, fico triste que o Benfica não lhes seja suficiente, mas entendo que como profissionais queiram um salário que mais se coadune com o seu valor, e que queiram jogar contra os melhores do Mundo regularmente. Entendo ainda mais que queiram sair do lamaçal que se tornou o futebol português nos últimos anos. Mas mais que isso, e no caso específico do Benfica, que já teve um presidente que fazia périplos Mundo afora para vender os seus jogadores, parece subsistir uma cultura de vender rápido e deixar, em mais do que uma ocasião, que o ónus da saída fique a cargo dos jogadores (pintados como vilões em mais do que uma ocasião).





A pergunta que deveríamos fazer face a esta realidade é na verdade, a oposta da que normalmente se coloca: consegue a direcção do clube resistir a ofertas milionárias por um jogador que queira realmente ficar no Benfica? O passado recente diz-me que não. E em termos desportivos, isso é tudo o que um Benfiquista não quer ouvir.




P.S.: Por favor Benfica, vence a Supertaça e cala-me os pensamentos nefastos, pelo menos até final da janela de transferências...

¹P.S.S.: Obrigado Schmidt, obrigado jogadores.

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