“Com decisão serena e calma, dêmos-lhe o nosso coração”
- João Paulo Silva
- 13 de jun.
- 4 min de leitura
O Sport Lisboa e Benfica é uma paixão que atravessa gerações, uma referência do desporto e da cidadania, um símbolo de liberdade coletiva. A sua história, iniciada a 28 de Fevereiro de 1904 na Farmácia Franco, é feita de coragem, idealismo e espírito associativo.
Na fundação estiveram homens de origens modestas, estudantes, trabalhadores, desportistas que partilhavam uma ideia progressista e ousada: criar um clube aberto a todos, onde a prática desportiva fosse um direito e não um privilégio. Entre eles, destacam-se nomes como José Rosa Rodrigues, primeiro presidente, Daniel Brito, Manuel Gourlade, António Rosa Pereira, Francisco Fernandes, entre outros. Cosme Damião, que mais tarde assumiria papel central na organização do futebol benfiquista, foi apenas um entre muitos num coletivo que construiu algo maior do que cada um individualmente.
Desde a sua origem, o Benfica assumiu-se como um clube democrático e associativo. Ao contrário de muitas instituições da época, nasceu com uma vocação clara: ser dos sócios, governado por eles, através do voto, da voz e da participação ativa. Esta matriz resistiu aos tempos mais difíceis da nossa História, incluindo os longos anos da ditadura. Mesmo então, o Benfica manteve-se como espaço de alguma liberdade e pluralidade.
Um símbolo dessa resistência foi o hino escrito por Félix Bermudes, dirigente, autor e humanista. Esse hino que foi proibido pelo regime de Salazar não é apenas um cântico de exaltação. É também uma expressão de entrega, de comunhão e de fé num ideal coletivo:
“Com sacrifício e devoção / Com decisão serena e calma, / Dêmos-lhe o nosso coração! / Dêmos-lhe a fé, a alma!”
Estes versos são sentidos em cada bancada, em cada casa, em cada emigrante.
O Benfica é universal — mas é, acima de tudo, popular e nacional. Está presente em cada freguesia, vila ou cidade de Portugal. E a sua força no Norte do país é, por vezes, esquecida ou subestimada. Mas há benfiquistas em força no Grande Porto, no Minho, em Trás-os-Montes e em todo o Norte, que resistem ao bairrismo dominante e vivem o clube com paixão e coragem. São um testemunho do ecletismo e da transversalidade social e geográfica do Benfica.
Os sócios são a alma do clube. São eles que votam, que decidem, que sonham e que constroem o futuro. É graças a essa massa associativa livre e empenhada que o clube superou crises profundas — como a dos anos 90, marcados pela instabilidade e pela gestão de Vale e Azevedo, que colocou em risco os alicerces da instituição.
A viragem chegou com a eleição de Manuel Vilarinho, um ato de cidadania benfiquista que devolveu transparência e seriedade à gestão do clube. Mais tarde, Luís Filipe Vieira conduziu um novo ciclo, mas com o tempo, surgiram novos desafios, e a exigência democrática dos sócios voltou a ganhar força.
Rui Costa acabou por assumir a liderança de um clube de dimensão europeia e mundial, com uma das maiores massas associativas do planeta, e adeptos em todos os continentes.
É também um clube eclético — como o simboliza a roda no emblema, sinal de movimento, pluralidade e dedicação a diversas modalidades. O futebol é a grande bandeira, mas o ecletismo é parte do ADN benfiquista.
A aposta na formação tem sido estratégica e consistente. O Seixal tornou-se referência internacional, mas o compromisso com a formação vai além do futebol: educar, formar, preparar jovens para a vida — dentro e fora de campo.
Nos últimos anos, o Benfica tem sido líder no desporto feminino em Portugal, com equipas que conquistam títulos e quebram barreiras. Seja no futebol, no hóquei, no futsal, no andebol ou no basquetebol, as mulheres benfiquistas são hoje símbolo de talento, superação e orgulho nacional. Esta evolução honra o passado, mas aponta sobretudo para o futuro do clube e do desporto português.
E esta breve viagem pelo passado mostra que o Benfica é feito de muitas vozes.
Valoriza-se a diferença, não se teme o debate. O pluralismo é uma força, não uma ameaça. A divergência de ideias é uma marca da vitalidade democrática do clube. Num tempo em que o futebol se mercantiliza, o Benfica deve continuar a ser um bastião de participação, de paixão genuína e de envolvimento dos sócios.
As eleições que se aproximam são mais uma expressão dessa maturidade democrática.
Três candidaturas já apresentaram as suas visões para o futuro do clube: João Diogo Manteigas, com a mensagem Benfica Vencerá; Noronha Lopes, que regressa com o lema Benfica Acima de Tudo; e Martim Mayer, com a proposta Benfica no Sangue.
Cada uma destas candidaturas traz ideias, perspetivas e contributos valiosos para um debate que deve ser feito com respeito, paixão e compromisso com o que verdadeiramente nos une: o Sport Lisboa e Benfica.
Não tenho o meu voto decidido – é muito cedo para o fazer. Quero participar no debate e escolher depois.
Que nunca se apague a chama imensa!
Que continue a arder em milhões de corações livres, conscientes e unidos — com fé, com alma, com sacrifício e com devoção.
Cabe-nos agora a todos — do Minho ao Algarve, de Lisboa a Paris, dos mais velhos aos mais novos — manter viva esta chama. O Benfica será sempre nosso, enquanto for livre, plural e participado.
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