É para aqui que caminhamos?
- Textos enviados p/ benfiquistas

- 22 de jul.
- 4 min de leitura
▶ Texto enviado pelo benfiquista Jorge Mota
Queres publicar um texto no nosso site? Envia por email ou pelo formulário do site.
NOTA: A opinião aqui transmitida é da inteira responsabilidade do seu autor e não representa, necessariamente, a opinião do Benfica Independente.

O recém-anunciado “Benfica District” é tudo o que um projecto não devia ser: megalómano, eleitoralista e profundamente desconectado da realidade financeira, desportiva e identitária do Sport Lisboa e Benfica. Vendido com pompa e circunstância como um “admirável mundo novo”, para além de afastado da realidade sócio-económica do país, este plano mais parece um delírio arquitetónico de quem confunde relevância internacional com betão armado.
Quando um clube que falhou sucessivamente em reforçar uma equipa de futebol competitiva nos momentos decisivos decide apostar numa fachada LED para “melhorar o conforto dos espectadores”, é legítimo perguntar: quem é que está a gerir as prioridades aqui?
Em vez de investir em scouting de excelência, formação de elite ou retenção de talento, não só no futebol mas nas mais diversas modalidades, o projecto esconde uma profunda desorientação estratégica, uma tentativa desesperada de mostrar obra onde o futebol tem falhado, e uma perigosa inversão de prioridades - o clube anuncia um aumento irrealista do Estádio da Luz, quando nada fez anteriormente para diminuir a lista de espera de Red Pass. Uma arena multiusos para concertos e eSports mais três novos pavilhões, quando nem o pavilhão atual enche nos jogos decisivos de basquetebol, voleibol e hóquei. Um centro comercial, uma piscina, um hotel, um teatro, escritórios e até uma nova praça. É a urbanização total do Benfica. É o franchising de um símbolo. É a Disneyficação de um clube. Um projecto digno de um catálogo de renderizações em 3D. Um cenário saído de um feira imobiliária. Mas o que nos devemos perguntar é: para que serve isto? E a quem serve isto?
Aliado ao perigoso facto de os sócios não terem voto na matéria, de não serem consultados previamente nem poderem exercer a opção democrática de concordarem ou não com tal investimento, convenientemente, o licenciamento está previsto para Novembro, logo após as eleições do clube. O início das obras? Claro, em 2027 – o famoso “amanhã distante” que ninguém poderá cobrar a quem hoje promete. A sua conclusão? 2030, ano do Mundial. Simbólico, mas altamente especulativo. Esta sincronia com o ciclo eleitoral é tudo menos inocente.
Este projecto serve, em primeiro lugar, como arma eleitoral. Rui Costa e atual direção sabem que falharam nas mais variadas áreas, que não têm resultados desportivos para apresentar. E como tal não dá votos, nada como prometer uma obra excêntrica e LED dinâmico.
Fala-se em “sustentabilidade financeira”, mas nada é dito sobre como será financiado este Titanic de betão. Vendas de ativos? Endividamento bancário? Direitos de nome, edifícios ou espaços? Empréstimos obrigacionistas? Os sócios e adeptos do maior clube do mundo merecem a resposta a todas estas questões.
O Benfica é um clube popular. Este projecto afasta-se dessa matriz e aproxima-se de um conceito elitista, corporativo e, ironicamente, impessoal. O Benfica é um dos maiores clubes do mundo. E não, não por ter hotéis, lojas ou restaurantes. É-o porque tem uma história, uma base popular, milhões de adeptos, sócios com voz e uma cultura que atravessa gerações. Transformar o Benfica num parque de diversões com bandeiras (bandeiras essas que não são permitidas dentro do estádio, até, pasme-se, para uma coreografia organizada), é reduzir toda a nossa história centenária a uma operação de marketing. É tratar a memória de Cosme Damião, Eusébio, Coluna, Chalana e tantos outros como atrativos turísticos de uma zona franca urbanística.
O clube que se dizia dos sócios, agora apresenta projectos sem consulta participativa. O clube que nasceu do povo, que resistiu à ditadura, que atravessa fronteiras, aposta agora num modelo elitista, vertical, cosmético. O clube que devia investir em formação, estrutura técnica, saúde financeira e competitividade desportiva, opta por construir algo que vai para lá do desporto, com a desculpa da modernidade feita aos olhos de quem já não sente o Benfica por dentro.
No fundo, anuncia-se o futuro, não se responde ao presente. Promete-se um sonho, esconde-se o custo. Apresenta-se um vídeo, disfarça-se a ausência de resultados. Não há uma única linha sobre financiamento. Não há uma única medida para reforço competitivo das nossas equipas. Não há uma palavra sobre sustentabilidade real, além das vagas promessas de “atração de investimento”. E tudo isto perante um clube que, apesar de receitas milionárias, continua sem se afirmar na Europa. Que vende os seus melhores jogadores ano após anos. Que vai perdendo ídolos, se algures neste passado recente os teve. Que distancia os adeptos do nosso autocarro e dos nossos jogadores. Que se preocupa cada vez menos se vencemos finais. Que demora a conquistar hegemonia. Que tem medo de ser feliz.
Caminhamos para onde, afinal?
Esta é a pergunta que os sócios devem colocar-se agora:
Queremos isto para o nosso clube?
Queremos um clube que troca títulos por tijolos?
Queremos uma direção que se esconde atrás de arquitectos para mascarar a sua impotência desportiva?
Queremos um clube que já não escuta os seus sócios, mas apenas investidores, promotores e patrocinadores?
A proposta do Benfica District não é apenas urbanística – é ideológica. É a materialização de um clube que deixa de ser associativo para se tornar uma marca transacional, uma máquina de eventos, um simulacro de grandeza que esquece a sua origem.
Está na hora de exigir seriedade, visão e foco no essencial.
O Benfica precisa de um modelo desportivo sustentado. Precisa de competência no futebol e nas modalidades. Precisa de reaproximar-se dos seus sócios e adeptos. Precisa de recuperar a mística, a voz e a alma.
Porque se seguirmos este caminho, daqui a uns anos estaremos todos na tal “praça de 10 mil pessoas,” rodeados de ecrãs e luzes coloridas, mas sem identidade, sem paixão, sem futebol – e, pior, sem Benfica.
A pergunta final é esta: é para aqui que caminhamos? E, mais ainda: é aqui que queremos chegar?





É necessario pensar fora da Caixa, os que criticam hoje este excelente projecto, são os mesmos que criticaram a construção do novo Estádio, e se fossem da época da construção do antigo Estádio da Luz, também teriam votado contra, continuar , para não se gastar dinheiro. O novo Estádio, o Seixal e o Museum, custaram dinheiro.
Que artigo excepcional. Concordo em absoluto!
Subscrevo na totalidade a opinião do consócio benfiquista Jorge Mota. Parabéns pelo seu texto.