1990, Carrazeda de Ansiães. 449 km à Luz. Tarde demais para testemunhar a glória europeia,
cedo demais para ter uma infância feliz.
Foi mais ou menos assim que este vosso consócio cresceu: com algum terror das segundas de
manhã, confuso entre a realidade do quotidiano futebolístico e as histórias de grandes
clássicos na Luz, dos 4-4 em Lerverkusen, naquela bancada, dos posters gloriosos e
triunfantes que forravam a velha carpintaria, herdadas pelo sangue de uma indefectível
devoção ao Sport Lisboa e Benfica.
Não podia conformar-me com aquela disparidade entre o que via e o que ouvia. Pedia A Bola,
mesmo antes de saber ler; fazia relatos imaginados num pequeno microfone; a bandeira que
hoje me acompanha aos jogos tem um pequeno rasgão, de êxtase, às voltas pela Vila numa
pequena bicicleta a celebrar, sozinho, um título no Hóquei. Mas não chegava. O Benfica, o meu
Benfica, era longe. Como que um filme que vem lá de Hollywood, um amor distante, intocável,
intangível. Decidi, portanto, pedir explicações: com aquela letra de escola primária, escrevi a
Vale e Azevedo. Não me respondeu. Mas, à data, senti que fiz a minha parte.
Vigo. Inconsolável, procurei no olhar revoltado do meu pai as respostas para aquilo que
acabara de ver. Habituado aos Domingos de Distrital, sabia, tinha a certeza, até àquele dia,
que nunca aconteceria ao meu Benfica, ao grande Benfica. Foi mais uma facada na fantasia,
no orgulho, a primeira de muitas nos dias que se sucederam, num fenómeno que também não
compreendia, e arrisco dizer ainda não compreendo: por que é que se odeia tanto alguém só
por ser de outro clube; por que é que os adeptos, velho e novos, de um clube que ganhava
sempre tinham tanta raiva ao Benfica. E, é também por isso, que quero que o Benfica ganhe
sempre: por nós, pelos nossos e pelos que dos nossos infortúnios fazem depender a sua
felicidade.
Depois veio aquela final do Camacho, a monumental caravana a celebrar o título de Trapattoni
e cheguei a Lisboa a tempo de assistir, finalmente de perto, a cheirar a relva, ao rolo
compressor de Jesus. Subi à Estátua, literalmente, e senti, ali, naquela noite que depois
daquele momento nada nos poderia parar. Íamos, todos juntos, cumprir o sonho, cumprir o
destino do Benfica.
Todos os maus dias que daí em diante nos aconteceram tiveram sempre o sabor agridoce de
um pequeno contratempo: ajoelhamos, com ele, no Dragão, mas sabíamos que em pouco
tempo haveria de ser tudo nosso, ganhar de goleada em todos os estádios, erguer todos os
troféus até ao dia em que veríamos um de nós com a orelhuda na mão. Tínhamos, e temos, as
melhores infraestruturas, a promessa da estrutura mais diferenciada e profissionalizada,
adeptos que vão a todo o lado e não abandonam os seus. Tínhamos tudo. E, como parece que
só acontece a quem tem tudo, tivemos também a escolha de não querer nada.
E é assim, que regressado a norte, depois de incontáveis tardes e noites na Luz, depois de
quilómetros e quilómetros atrás dos nossos jogadores, ao Sol e à chuva, me volto a sentir
como naquela infância confusa e incrédula. Mas agora, sem a inocência; agora com a revolta
de ver este Benfica, que já não é o meu Benfica, a oferecer balões de oxigénio a quem nos
odeia de forma cega; a entregar-se nas mãos de quem não sente a camisola que veste; a ser
gerido por quem usa o emblema na lapela como um adorno, não um desígnio. E o que dói mais
hoje do que na altura: muito pior do que não poder é não querer. É abdicar. É ver o Benfica,
que amo, usado e abusado. E pouco poder fazer, senão tentar usar da melhor maneira os
votos que o primeiro ordenado pôs a contar, e que dadas as circunstâncias, pouco mais valem
do que aquela carta a Vale e Azevedo.
Ainda assim, e sempre: Viva o Benfica!
▶ Texto enviado pelo benfiquista Alexandre Santos Quinteiro
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