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 Ora zumba na caneca, ora na caneca zumba

▶ Texto enviado pelo benfiquista Simão Pedro


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NOTA: A opinião aqui transmitida é da inteira responsabilidade do seu autor e não representa, necessariamente, a opinião do Benfica Independente.

Poucas são as pessoas que se entregam à paixão metafísica do futebol, até porque seria, de uma forma muito peculiar e inusitada, cair num sentimentalismo pouco selvagem que o futebol másculo e mediático já pouco oferece. Por outro lado, a minha experiência de Benfica tem sido tão ao patamar do sublime que já me entedia. Culpo principalmente uma caneca herdada por amizade. Entre floreados e detalhes dourados, surge o símbolo pintado à mão e logo abaixo a inscrição “campeão 1962-63”.


Como é que posso explicar a alguém que, vendo-me com vinte e quatro anos e já suficientemente adulto para tudo, beber dessa mesma caneca faz-me sonhar durante o sono com aquela mítica imagem do senhor José Águas levantando a taça com que todos os miúdos e graúdos sonham? O Benfica, de facto, ocupa uma parte muito significativa do meu dia administrativo, mas isso eu já sabia por certo. Uma investida noturna durante os períodos de maior inconsciência é que me surpreende. É vicio, leitor, é vicio, mas é também um inteiro sistema filosófico e de ideias. 


Aquela maldita caneca, apesar da beleza notória e incontestável, tem a asa e as bordas gastas, o que a torna ainda mais notória e incontestavelmente bela. Adivinho-lhe o passado sem grandes dificuldades e, quanto mais o faço, mais a invejo. Imaginem só que a escaldar de café, na companhia de um cigarro, fazia de totem a quem pelo rádio ouvia no crepúsculo e exasperava com aquela final de Wembley contra os novos Bubsy Babes. E que importa que Salazar tenha caído da cadeira nesse ano e os Beatles estivessem a atingir os seus anos derradeiros. E anos mais tarde foi até à boca eufórica, fresca e a transbordar de vinho novo para a ocasião, naquela final da Taça de Portugal em pleno estio de 1981 celebrando um hattrick do mágico e sempre asseado Nené. 


Agora eu, oficial e certificado dono daquele naco cerâmico, dou continuidade ao que eu vou chamar de deglutição gloriosa, sabendo muito bem que aquela mesma caneca serviria muito melhor os propósitos sacramentais de um domingo de manhã, mas a busca pelo Santo Graal sempre foi de pérfida e secreta luta. Fica lá por casa, sob o meu olhar materno, e fica muitíssimo bem, eu que me chamo Simão numa profetização levada a rumo pelos meus pais que no começo do século já sabiam o nome do herói dos anos que se seguiriam. Portanto, quem melhor do que eu para executar a curadoria daquela caneca?


Na ausência da invenção de uma máquina do tempo que coroe a evolução tecnológica e científica do século, vamo-nos ficando por estas coisas que espremem o tempo até dele não restar mais do que nu amor. 

Assino esta crónica com rubrica de perfeita idiotia (poderá assim achar o leitor leigo em matérias futebolístico-asceticistas), mas respeitando a imanência do sentimento, e fazendo as devidas adaptações e substituições, invoco o livro dos Salmos e o seu vigésimo terceiro versículo: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”.


Nota: podem substituir a palavra “Senhor” pela palavra “Benfica” (é uma opção, talvez a mais direta), mas também a podem só complementar, como “O Senhor Eusébio”, “O Senhor Shéu”, “O Senhor Chalana”, “O Senhor Cardozo”, etc., fica ao vosso critério, benfiquistas.

1 Comment


Feher29
há 2 dias

Excelente texto, maravilhosamente escrito. Que leitura agradável, obrigado.

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