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Um sonho de menino

▶ Texto enviado pelo benfiquista Fernando Gonçalves


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NOTA: A opinião aqui transmitida é da inteira responsabilidade do seu autor e não representa, necessariamente, a opinião do Benfica Independente.


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Em tempos de incerteza, tempos de campanha eleitoral no nosso clube de coração, onde há apoiantes de um lado contra apoiantes do outro lado e que, por vezes, não veem que há um interesse maior do que se insultarem, deixem contar-vos uma história:


No final da tarde, quando o sol descia sobre Lisboa e tingia de cobre as fachadas, um pai e um filho regressavam do Estádio da Luz. Eram meados da década de noventa, e no coração do pai pesavam tanto as derrotas como a sombra das dificuldades financeiras que cercavam o clube da sua vida. Cansado, desiludido com a deriva desportiva e com a incerteza que pairava sobre o futuro, decidiu afastar-se. Com a mesma mão que tantas vezes erguera para aplaudir, deixou de erguer o cartão de sócio; deixou de pagar quotas, como se o silêncio fosse a sua última forma de resistência.


O filho, pequeno, olhou-o com uma gravidade inesperada na sua idade. Não compreendia o peso das dívidas nem as engrenagens que consumiam o clube, mas sabia que aquele gesto representava um rompimento com algo maior do que ambos. Foi pedindo ao pai para que, ao menos, fosse pagando as suas quotas, sempre com a negação do seu progenitor. Então prometeu, com a fé que só a juventude conhece: um dia pagaria ele todas as suas quotas em falta, um dia restauraria essa linhagem de fidelidade, para que o sangue que lhe corria nas veias não deixasse de pulsar também no coração do Benfica.


Uma década passou, e o filho decidiu, novamente, fazer parte do clube do coração, inscreveu-se como sócio, começando do zero a sua vida associativa, tendo sempre em mente a promessa que um dia fizera a seu pai: "Um dia pagarei as minhas quotas que um dia deixaste de pagar!!"


Quase três décadas passaram sobre aquele fim de tarde em Lisboa, e a promessa resistiu como uma brasa escondida debaixo das cinzas. O filho cresceu, trabalhou, tropeçou, ergueu-se. Teve de aprender que a vida é feita de esperas longas e de pequenas conquistas. Mas nunca esqueceu aquele pacto secreto. E quando finalmente teve meios, regressou à Luz não como espectador casual, mas como herdeiro e guardião de um compromisso antigo.


Pagou cada quota, uma a uma, como quem resgata memórias. Ao fazê-lo, devolveu, a si mesmo, a dignidade de sócio e recuperou para si o peso e a leveza de pertença. Devolveu ao seu pai aquela promessa: "Pai, paguei as minhas quotas como te havia prometido, paguei 10 anos de quotas para recuperar a minha antiguidade de associado". Naquele instante, percebeu que não se tratava apenas de futebol, mas de uma herança afetiva, de uma chama que se acende de geração em geração. E assim, entre passado e futuro, pai e filho reconciliaram-se no mesmo lugar: nas bancadas de um dos maiores clubes do mundo, onde a promessa se cumpriu e o sonho encontrou a sua morada.


E é então que, ao olhar para trás, compreendo a dimensão silenciosa daquela promessa infantil. Porque aquele filho, aquele menino de olhos deslumbrados diante da Luz mesmo quando o mundo à sua volta parecia escurecer, cumpriu um sonho de menino. Foi a teimosia em acreditar que o amor não se suspende, apenas adormece, que devolveu ao seu nome o direito de voltar a chamar-se, com orgulho inteiro, sócio do Sport Lisboa e Benfica. É agora, ao escrever estas linhas, que vos confesso: aquele filho, aquele menino, era eu.

 
 
 

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