Duas semanas. Foi o período de nojo necessário para conseguir voltar a debruçar-me sobre o futebol do Benfica, e sobre o que se passou neste ano civil. Uma época a lembrar os bons tempos do Vietname, pautada por exibições paupérrimas e pela escassez de títulos: uma supertaça, naquele que (para muitos) foi o melhor jogo da época... a 4 de Agosto de 2019. Ou seja, tanto a melhor exibição como o último troféu do futebol sénior do Benfica ocorreram há mais de 1 ano.
Uma época... atípica. Talvez seja este o melhor adjectivo para o que aconteceu nesta temporada, marcada pela interrupção de jogos oficiais durante 3 meses devido à pandemia causada pelo SARS-Cov-2.
Comecemos pelo final de temporada: a Taça de Portugal. O Benfica tinha a hipótese de conquistar este troféu pela 27.ª vez, sendo que tinha enfrentado o FC Porto na final por 10 vezes, com um historial favorável de 9-1 (a última derrota na final deste troféu ocorreu no longínquo ano de 1958). Acresce ainda que Sérgio Conceição nunca tinha vencido a final da Taça das duas vezes que lá chegou (como treinador). Outro dado favorável ao clube: o Benfica tinha vencido 26 das 37 finais a que chegou, enquanto o FC Porto só tinha vencido 16 das 30 finais. Além disso, o Benfica tinha vencido as suas duas últimas finais, e no sentido inverso, o FC Porto tinha perdido as suas últimas duas finais da Taça, competição que não vencia desde 2011, ano em que completou a sua última dobradinha. E em campo considerado neutro, as duas equipas defrontaram-se por 15 vezes, com vantagem dos encarnados, que somavam nove vitórias, contra cinco triunfos dos portistas. Ou seja, os números estavam favoráveis ao clube da Luz.
E o Benfica, contra todas as tendências estatísticas, perdeu a final da Taça de Portugal. O FC Porto venceu, pela 4.ª na sua história, todos os jogos contra o Benfica numa temporada em que se defrontaram por 3 ou mais vezes. Foi também a 2.ª vez que o FC Porto venceu uma final em desvantagem numérica, a 1.ª sem vantagem no marcador. O Benfica de 2019-20 entra assim na história do clube azul e branco pelos piores motivos, algo que os adeptos benfiquistas detestam.
Quanto à Taça da Liga, o Benfica iguala o seu pior registo com apenas 3 pontos na fase de grupos, numa competição que já não vence desde 2016.
Na Europa, o Benfica fica pela 2.ª vez consecutiva em 3.º lugar na fase de grupos da Champions League (são 3 anos seguidos a falhar a qualificação para os oitavos-de-final), alcançando finalmente uma 1.ª vitória por mais do que um golo (!) nos últimos 23 jogos (6V - 3E - 14D) na UCL. Já na Europa League, e pela 1.º vez na sua história (no formato actual), o Benfica é eliminado logo na primeira eliminatória que joga, sendo a 3.ª vez (no séc. XXI) que completa uma competição europeia sem qualquer vitória.
Quanto à Liga Portuguesa, desde 2013-14 que o Benfica não marcava tão poucos golos (71), sendo que a grande maioria desses golos (42) foi marcada na 1.ª volta do campeonato. Não admira que apesar de o melhor marcador do campeonato ter sido novamente um jogador do Benfica (Seferovic tinha sido o melhor marcador do campeonato na época passada com 22 golos), são precisos 13 anos (!) para se ver um Bota de Prata com um registo tão fraco: 18 golos. Os mesmos que Pizzi, que foi igualmente o jogador da Liga com mais assistências. A título de curiosidade, remeto os leitores para um "comparómetro" com a prestação dos 4 principais pontas-de-lança do Benfica nesta época (o artigo completo encontra-se aqui):
Registou a 2.ª pior marca defensiva e o 2.º pior goal average desde 2011-12, onde 17 golos foram sofridos de bola parada (8 de cantos, 4 de grandes penalidades, 4 de livres indirectos, e 1 de livre directo). O Benfica foi apenas a 4.ª equipa com mais posse de bola durante a temporada (FC Porto liderou esta lista), a 8.ª com menos passes falhados, a 9.ª com mais perdas de bola, a 10.ª com mais golos de bola parada, e a penúltima (!!!) em golos marcados fora da área.
Corria o mês de Janeiro e o Benfica estabelecia, em Alvalade, a melhor 1.ª volta de sempre de uma equipa numa Liga com 18 equipas (batendo o recorde estabelecido pelo FC Porto de António Oliveira, em 1996-97, com 47 pontos), e o 6.º melhor aproveitamento de pontos (94%), bem como o recorde de vitórias fora (17, que depois seriam 18 com o jogo em Paços de Ferreira já na 2.ª volta). Tudo parecia correr sobre rodas. O universo benfiquista já sonhava, apesar das exibições não corresponderem aos resultados.
Os mesmos jogadores que tinham presenteado os adeptos com uma primeira volta quase perfeita, começam inexplicavelmente a vacilar no recomeço da 2.ª metade do campeonato, registando uma série de jogos que trazem à memória outros tempos... vietnamitas, se é que me faço entender. Na 2.ª volta, o Benfica totalizou 29 pontos contra 41 do FC Porto. Aliás, no campeonato da 2.ª volta, o Benfica terminaria no 5.º lugar, a 12 do clube azul e branco. Teve, na 2.ª volta, um rácio de 1.71 pontos por jogo, o 5.º pior rácio de pontos por jogo nas últimas 50 voltas de campeonatos (ou seja, desde que as vitórias valem 3 pontos). Enquanto na 1.ª metade do campeonato só encaixa 6 golos (com 12 "clean sheets"), na 2.ª encaixa 20 (apenas 5 "clean sheets"), sendo apenas a 6.ª melhor defesa nestas últimas 17 partidas. Mas a tragédia continua.
Os adeptos benfiquistas tiveram de esperar 16 jogos para ver uma vitória por 2+ golos (em casa frente ao Boavista, a 1.ª na Luz no ano de 2020), 7 meses para ver uma goleada (4+ golos, contra Desp. Aves), e 19 jogos para ver 2 jogos consecutivos sem sofrer golos... e porque o adversário era o Desp. Aves, lanterna vermelha do campeonato e um clube a passar por gravíssimos problemas desportivos. Com 4 derrotas na 2.ª volta, o Benfica totalizou 5 em 2019-20, o seu pior registo desde 2010-11.
Em sete partidas em Fevereiro (2V, 2E, 3D), o Benfica só venceu dois jogos, frente ao Gil Vicente e ao Famalicão (Taça de Portugal). Não se via um mês tão negro desde Dezembro 2017, com Rui Vitória (2V, 3E, 2D). Mas a série negativa continuou, e o Benfica faz 13 jogos onde somou apenas 2 vitórias, 6 empates, e 5 derrotas – uma série onde esteve sem vencer em 5 jogos consecutivos, e onde não venceu na Luz também em 5 jogos consecutivos (a 1.ª vez que tal ocorreu neste século). Mas não foram os únicos registos históricos.
Há 20 anos que não ficava em branco nos Barreiros (jogo que ditou a saída de Lage); foi a 1.ª vez neste milénio que sofreu 4 golos em casa (frente ao Santa Clara, equipa que nunca tinha vencido um dos 3 grandes fora de portas, e a 1.ª a marcar 4 golos no Estádio da Luz); foi a 1.ª vez na sua história que o Benfica deixa fugir a vitória após uma vantagem de 2+ golos em jogos consecutivos (Shakhtar e Portimonense); e também a 1.ª vez na sua história que teve 5 empates consecutivos. Se acham que o pesadelo termina aqui, enganam-se. Eu é que não tenho estômago para aqui colocar os outros registos históricos ocorridos nesta segunda metade do campeonato.
«Convém que o Benfica se esqueça rapidamente da época que acabou», dizia recentemente Nuno Gomes no programa MaisFutebol da TVI (07/08/2020). Discordo, em toda a linha.
É essencial que o Benfica nunca se esqueça da época 2019-20: das 3 derrotas contra um dos piores FC Portos do séc. XXI; do retorno à incapacidade para encontrar soluções na dinâmica ofensiva; das evidentes dificuldades em defender bolas paradas; da problemática falta de opções com qualidade na frente de ataque, no eixo defensivo, e na baliza; e sobretudo, da preocupante falta de maturidade para conseguir não só manter a constância exibicional, mas também dar a volta aos maus resultados.
Numa altura em que há muita esperança nos novos reforços que chegam agora à Luz, é imperativo que a nova equipa técnica do Benfica identifique e minimize estas fraquezas, antes de poder partir para uma época que, esperamos todos, seja de retoma aos títulos mas acima de tudo, que volte a entusiasmar o universo benfiquista.
Comments