Os meus caros leitores nascidos antes da década de 1990, certamente se lembrarão da velhinha Taça dos Clubes Vencedores de Taças. Nessa época, os nomes das competições ainda cumprem o que prometem: entre 1960 e 1999, apenas os vencedores das respetivas taças nacionais dos seus países disputam esse troféu. Depois da Taça dos Campeões Europeus, a „Taça das Taças“ foi na altura a segunda mais importante competição do nosso continente.
Para a minha grande alegria, o sorteio dos quartos-finais da „Taça das Taças“ em março de 1994, determina dois jogos entre o Benfica e o Bayer Leverkusen. Os 220 quilômetros da minha casa em Offenbach até Leverkusen, não são mais do que um agradável pulinho, comparado com as viagens a Lisboa.
Depois da primeira mão frente a oitenta mil adeptos no antigo Estádio da Luz, o apuramento para as meias-finais está ainda por completo em aberto, uma vez que o jogo entre as duas equipas em Lisboa termina com um empate por 1:1. Markus Happe colocou a „Werkself“ na liderança, Isaías empatou no último minuto da partida.
Duas semanas depois, a segunda mão trará a decisão. No dia 15 de março, Benfiquistas de todos os cantos da Europa estão a caminho de Leverkusen. Largas horas antes do pontapé de saída, já estamos em frente ao estádio de Leverkusen. „E tu... de onde vens?“, é uma das perguntas mais frequentes, enquanto brindamos com uma ou outra cerveja à saúde do Glorioso. Mais tarde, já dentro do recinto, uma das bancadas laterais do antigo Estádio Ulrich Haberland está quase por completo em mãos dos Benfiquistas.
Quando o Benfica chega ao recinto, duas horas antes do pontapé de saída, os jogadores do Glorioso vêem apenas uma enorme multidão em vermelho. Anos depois, Rui Costa recordará o momento numa entrevista para o site Maisfutebol: „Era a cor do Bayer e achámos que se o estádio estava cheio com tanta antecedência ia ser um ambiente infernal. Mas depois fomos pisar a relva e percebemos que havia tantas faixas de adeptos do Benfica como de alemães.“
Rui Costa e os seus companheiros de equipa bem que precisam de forte apoio Benfiquista nessa noite, porque a „Werkself“ do treinador Dragoslav Stepanović tem naquela época um plantel de luxo e joga com vários estrelas, como Ulf Kirsten, Bernd Schuster ou Andreas Thom.
À entrada das duas equipas em campo, os Benfiquistas nas bancadas, transformam o estádio esgotado com 21 mil espectadores, num mar de tochas e fumos. Mas depois da fumaça desaparecida, jogam apenas os anfitriões. Ulf Kirsten inaugura o marcador aos 24 minutos, Bernd Schuster aumenta após 58 minutos para 2:0.
Enquanto o ambiente nas bancadas entre os Benfiquistas oscila entre esperança e ansiedade, começa a meia hora mais incrível, que alguma vez vivi, em todas estas décadas com o Benfica. Apenas um minuto depois do 2:0, Abel Xavier marca com um remate de longe o primeiro golo das Águias nessa noite. O jogo fica empatado 60 segundos mais tarde. Depois de um canto da esquerda, João Vieira Pinto marca de cabeça mesmo em frente à baliza. A partir de agora, o jogo fica totalmente impróprio para cardíacos, até que Vassiliy Kulkov aproveita um contra-ataque aos 78 minutos e marca o 2:3. Já está!
Mas ainda não estava, pois os jogadores do Bayer por enquanto, não se dão por vencidos. Nos próximos 240 segundos, Ulf Kirsten e Pavel Hapal viram o resultado de novo para 4:3. O ambiente entre os Benfiquistas balança agora entre desespero e histeria. Apenas três minutos mais tarde, João Vieira Pinto passa a bola para Kulkov e o russo marca de onze metros de distância o 4:4. Agora é que está mesmo, é a loucura total. Toda a gente cai em cima uns dos outros. Mesmo semanas depois, ainda são visíveis as nódoas negras que levo da noite mágica de Leverkusen.
O Glorioso está nas meias-finais da Taça dos Clubes Vencedores de Taças, onde será eliminado pelo AC Parma. Depois de ter vencido a primeira mão na nossa Catedral por 2:1, o Benfica perde o segundo jogo na Itália por 1:0. A regra dos golos marcados fora de casa, que ajudou as Águias a voar até às meias-finais, impede-os agora na participação em mais uma final europeia. Mas o que verdadeiramente fica na memória desta temporada de 1993/94, é a noite mágica de Leverkusen.
Mesmo na Alemanha, a euforia é tão grande, que um mês depois do jogo, um grupo de emigrantes, que também tiveram o privilégio de estarem presentes no Ulrich-Haberland-Stadion, fundam a Casa do Benfica de Groß-Umstadt. A primeira e, até hoje, a única Casa do Benfica em terras germânicas.
Não vi ao vivo. Mas lembro-me de ver na televisão. Do desalento total no 2:0, a pensar já fomos, ao extâse com a reviravolta para o 2:3 e do nervoso do 4:3 (o Neno era bom guarda-redes, mas nos cruzamentos para a área era um ai jesus) e da loucura do 4:4. Que jogo!
Brutal, quem me dera ter visto este ao vivo! Mas é precisamente por isto que temos de estar presentes sempre que possível, nunca se sabe quando aparece um jogo destes ou um 10-0 ao nacional!