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O desnorte democrático em torno de LFV

Não se via uma campanha tão viva no nosso clube desde há muito tempo. Com o surgimento de opositores a uma liderança que já conta com 17 anos, esta fase permitiu que surgissem candidatos e, com eles, ideias – umas melhores, outras piores, umas mais pertinentes, outras menos. Cabe agora aos sócios apreender estas ideias e, com espírito crítico, perceber o que considera melhor para o futuro do clube.


Durante esta campanha, no entanto, e a meu ver, estão também a acontecer coisas negativas para a vida democrática do clube, em que, principalmente Luís Filipe Vieira (LFV), parece estar a revelar alguma dificuldade em conviver com opositores, com ideias diferentes e com críticas à sua gestão do Clube e da SAD.

Para melhor explicar esta tese, dividiu-se este texto em três partes, que poderão ser vistas de seguida.

1. As tarjas e os deveres dos sócios

Em primeiro lugar, referir um acontecimento sobre o qual, possivelmente por falha minha, não vi qualquer tipo de reacção e que, julgo, merece algum tipo de resposta. No dia 5 de Outubro, LFV foi à Casa do Benfica de Faro, em campanha. É reportado que o ainda presidente do Sport Lisboa e Benfica, pelo qual esperavam diversos apoiantes locais, foi recebido, no exterior, por uma tarja simples (tinta no que parece ser um lençol branco), segurada por mais do que um manifestante, cujos rostos não apareceram nas reportagens. Em tinta vermelha, não especialmente explícita e certamente nada profissional, a mensagem refere: “OUTubro / Rua Vieira”.

Ilustração 1 – Tarja contra Luís Filipe Vieira, em Faro.

Fonte: Jornal O Jogo. Link: https://bit.ly/2Ick0zi


A este acontecimento, e como é visível numa reportagem vídeo que se pode encontrar no YouTube (https://bit.ly/33HP9Tt), LFV, um tanto exaltado e incomodado, decide tecer alguns comentários à entrada, onde diz, inclusivamente para algumas televisões:

“Não gostam [quem se manifestou contra ele], chegam lá [à mesa de voto nas eleições] vão votar contra (…), agora não façam estas tarjas, parece que estão compradas, andam por aí uns gajos com bandeiras… Era a coisa mais fácil de fazer; se eu quisesse, então, tinha bandeiras espalhadas por todo o lado por onde andasse a minha oposição (…). Por isso, respeitem o Benfica, que é o mais importante. Pá, as ideias são diferentes, são os benfiquistas quem vão votar, eles é que vão dizer quem é o presidente do Benfica (…).”

Estas declarações, imbuídas de alguma irritação e recebidas com aplausos algo eufóricos por parte de apoiantes seus, são mais significativas do que podem aparentar.

Em primeiro lugar, a manifestação democrática através da tarja ou do cartaz é algo tradicional na expressão democrática de qualquer país que viva em democracia. É uma forma de transmitir, através de uma mensagem normalmente simples, uma ideia de oposição a alguma entidade. Que se saiba, nesta visita à Casa do Benfica de Faro, LFV não foi alvo de nenhuma outra interpelação, em especial algum tipo de insulto verbal, nem houve conhecimento de algum indivíduo a causar algum tipo de distúrbio. Aconteceu, simplesmente, uma manifestação, através de uma simples – e não especialmente cuidada, sublinhe-se – tarja. Uma entidade que detenha algum cargo de poder, neste caso a presidência do nosso clube, deve, pois, estar preparado para uma simples manifestação deste tipo sem cair num discurso de vitimização, e no qual cometeu, ainda por cima, o erro de afunilar o processo democrático do clube a votos em eleições.


Sim, uma pessoa – adepta e sócia do Benfica – tem, se assim o entender, o direito de se manifestar através de uma tarja; inclusivamente, tem o direito e o dever, neste caso a sócia, de ir a eleições e votar. E tem, acrescente-se, o direito a ir a Assembleias Gerais do Clube, participando de forma ainda mais activa na vida do mesmo. Ao contrário da ideia que LFV parece pretender passar, a vida do Benfica não se resume a ir a uma mesa de votos em dia de eleições; isso é importante, mas também o é o quotidiano democrático do clube, que progride, em grande parte, através da participação, menos ou mais activa, de adeptos e de sócios.


Para além disso, LFV refere neste mesmo discurso, e de modo algo deselegante, que as pessoas que seguravam a tarja “parece que estão compradas”, a que acrescenta que seria a “coisa mais fácil de fazer” ter “bandeiras espalhadas por todo o lado por onde andasse a minha oposição”. Sugere, assim, que as pessoas que ali se encontravam a manifestar eram «mandadas» por alguém, e insinua, pois, que seriam enviadas por algum dos seus opositores. Naturalmente, e numa campanha que se espera digna e à altura dos pergaminhos do Sport Lisboa e Benfica, LFV, que é livre de se expressar, pode dizer isto; não pode, no entanto, de deixar de sofrer as consequências de acusações injustificadas, que desrespeitam opositores, e que contribuem apenas para a simplificação do discurso da sua campanha e, por conseguinte, para o desprestígio das importantes eleições vividas actualmente.


Sobre tarjas e cartazes comprados, aliás, talvez LFV tenha algum conhecimento de causa. Quem não se recorda das muito profissionais e cuidadas tarjas – que certamente terão um custo muito maior do que tinta vermelha, aparentemente de má qualidade, num lençol branco – que receberam LFV e Jorge Jesus quando estes chegaram ao aeroporto de Tires, vindos do Rio de Janeiro, no famoso jacto privado? Fica deselegante a LFV acusar não tendo justificação para tal, mas pode revelar também alguma hipocrisia acusar outros de artifícios que provavelmente já terá utilizado, no passado, para sair de algum modo favorecido.

2. Os debates ruidosos e a «sucessão» pseudo democrática

Já a 8 de Outubro, LFV referiu frases mais famosas numa entrevista, gravada, que deu à SIC, proferindo que os debates criam apenas “ruído” e “não esclarecem”, sendo essas razões por que não irá participar em debates com opositores. Na mesma entrevista, foi também dito pelo mesmo que, cite-se, “terá de ser preparada a minha sucessão, logicamente. Não é numas eleições quaisquer que tem de ser preparada a minha sucessão. (…) O meu sucessor tem de ser preparado para me suceder, isto precisa de continuidade.”

Ora, sobre os debates, não é concebível que um presidente do Benfica seja desafiado para debates e que não queira participar nos mesmos. Deveremos lembrar que Vale e Azevedo – o homem de quem tantas vezes LFV fala de forma implícita – aceitou debater, em 2000, com Manuel Vilarinho? E que esse debate terá sido fulcral para que, por exemplo, LFV tenha tido a oportunidade de ter feito a obra que fez no clube?


É até simbólico que o presidente revele receio – pois é isso que, na verdade, revela – ao não ir a qualquer debate. Terá medo de ser derrotado? E o que revelará esta atitude aos atletas do clube, nomeadamente os de futebol, que vêem o que deveria ser o seu maior exemplo a fugir da confrontação? Admitindo uma injusta especulação, talvez esta postura de um presidente contribua indirectamente para o que parece ser a falta de identidade e de algum espírito competitivo no futebol, nomeadamente quando nos confrontamos com rivais – refiro-me, pois, ao FC Porto – que não apenas não revelam receio de nos defrontar, como, pelo contrário, parecem ansiar pelo desafio e por nos derrotar. No mínimo, contudo, este exemplo de medo pelo confronto, por parte de LFV, não se revela digno não apenas do espírito democrático, mas também do espirito competitivo do clube.


E, por fim, se um eventual debate do Benfica nestas eleições se tornasse apenas «ruído», então os sócios julgariam quem mais teria contribuído para esse ruído. É assim a democracia, nomeadamente no contexto de eleições: debatem-se ideias uns com os outros, e no fim os votantes dão o seu veredicto. LFV não se digna a participar na democracia de um clube como o Sport Lisboa e Benfica, e isso é – ou deveria ser – grave.

Já sobre a ideia de que a sua sucessão não pode surgir de umas “eleições quaisquer”, esta é, de facto, a mais extraordinária. Pergunto-me: que ideia terá LFV do clube? Esta desvalorização – para não dizer mesmo desrespeito – do processo eleitoral é, de forma bastante directa, a desvalorização dos próprios ideais do clube. Um candidato que não perceba isto, e que julgue que a sucessão de um presidente deve ser, de algum modo, «cozinhada» de dentro para fora, não deve, com certeza, estar a par da história e dos valores do clube do qual é associado. Quando este candidato é, ainda por cima, um presidente com 17 anos de poder, passa a ser especialmente preocupante. Repito: que ideia terá LFV do clube a que ainda preside?

3. A BTV e as omissões a (quase) todos os candidatos

A isto tudo acresce a posição editorial da BTV – da qual, diga-se, LFV não terá oficialmente qualquer poder de decisão –, que não faz, até ao dia de hoje, qualquer referência a um candidato às eleições.


Falando de forma directa: esta decisão deveria envergonhar qualquer associado, na medida em que a BTV tinha a oportunidade e até a obrigação, mais do qualquer outro canal em Portugal, de ser um espaço de informação – e não de desinformação ou de omissão – sobre a vida do Benfica. É difícil de compreender que, dando ares de neutralidade, a BTV, na verdade, contribua de forma negativa para a não informação, para o não debate de ideias, quando deveria ser um meio de comunicação importantíssimo para isso mesmo.


E, não fazendo referência a qualquer candidato, faz, por outro lado, referências ao actual presidente – tendencialmente elogiosas ou, pelo menos, pouco críticas –, que acontece ser também um dos candidatos. Salvaguardando, inclusivamente, a dignidade dos comentadores e profissionais BTV, sobre os quais não estarei aqui a fazer qualquer tipo de personalização, é importante perceber que, neste contexto, é difícil a existência de espírito crítico dirigido ao indivíduo com o mais alto cargo da instituição à qual a BTV pertence, sendo natural a existência de alguma autocensura, o que de resto tenderia a acontecer com qualquer um – inclusivamente comigo. Se eventualmente participasse em algum programa, e o fizesse neste contexto eleitoral em que se convivem omissões a candidatos com referências, por norma positivas, ao presidente que é candidato, talvez também não sentisse a liberdade de dizer o que realmente desejava, para, de algum modo, não causar algum tipo de problema ou embaraço. Salvaguardando, repita-se, a independência de diversos comentadores e profissionais da BTV – que aqui não quero desrespeitar –, a mera tendência que existe para esta autocensura deveria, por seu lado, inquietar muitos dos associados do clube.


Quando a isto se acresce – e aqui de modos, isso sim, pouco subtis – a participação algo frequente, na BTV, de pessoas que, de forma mais activa, participam no espaço público em defesa do actual presidente, conclui-se que estas eleições estão, no que respeita ao canal do clube, desvirtuadas e feridas – não de ilegalidade – mas de decência democrática.

É imperativo que a BTV abra espaço aos outros candidatos, não apenas a um deles. Quantas pessoas que vêem a BTV não serão sócios e não votarão nestas eleições, e não poderão influenciar outros a votar? A partir do momento em que parece não existir ninguém para além de LFV – para a BTV, não existe mesmo –, este sai extremamente beneficiado de toda a exposição que acabe por ter no canal. E se isto não é falta de decência democrática, e até a sensação de uma tendência algo ditatorial, então não sei o que é.

Considerações finais

Para finalizar, não se tem ouvido de LFV qualquer tipo de debate – apenas o elogio condescendente e fácil à democracia no Clube e à existência de oposição, algo que é dito como mera formalidade. Sobre as ideias de outros, fala apenas vagamente, desvalorizando as mesmas. Sobre as suas ideias enaltece a obra feita, mas pouco diz sobre o que pretende fazer, e como, no futuro.


Acima de tudo, pois, a recorrência de uma aparente postura antidemocrática – no contexto, diga-se, da campanha para as eleições – deve ser digna de análise e de crítica, nomeadamente por parte dos adeptos e sócios do nosso clube. A meu ver, existe o perigo real de estar a ocorrer uma normalização – havendo desde já, parece-me claro, a tentativa dessa normalização – que procura incentivar um espírito fechado e antidemocrático no clube, algo negativo para o pensamento crítico dos sócios e, consequentemente, para a própria instituição. Qualquer candidato, inclusivamente o ainda presidente, pode dizer o que bem entender, mas discursos e acções que desprezem os valores democráticos do clube devem ser criticados e debatidos. Deve existir respeito pelos valores identitários do Sport Lisboa e Benfica e, quem não os respeita, talvez não mereça um lugar – ou não mereça a continuidade – na sua história.

▶ Texto enviado pelo sócio do Sport Lisboa e Benfica, Pedro Pais.

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