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O melancólico fim da era Bruno Lage no Benfica



Se alguém me dissesse no início do ciclo 2019-2020, mais precisamente no dia 4 de agosto de 2019, após a goleada de 5 a 0 contra o Sporting no Estádio do Algarve, onde o Sport Lisboa e Benfica conquistou sua oitava Supertaça Cândido de Oliveira, que os Encarnados teriam um fim de temporada decepcionante e o técnico entregaria o cargo, eu certamente não acreditaria. Afinal, o Maior de Portugal vivia grande fase sob o comando de Bruno Lage. Antes de golear o arquirrival de Lisboa na Supertaça, sagrou-se campeão nacional com uma impressionante recuperação, num cenário onde tinha sete pontos de desvantagem contra o Porto e terminou o campeonato nacional com dois pontos à frente do concorrente e com o troféu em suas mãos.


Mas... O mundo gira, o mundo é uma bola. Hoje, cá estamos lamentando uma péssima sequência de duas vitórias em 13 jogos, que resultou na saída do próprio Lage e vem culminando numa iminente perda de título para o arquirrival da Cidade do Porto.


Transferido da equipe B, que figurava na parte de cima da classificação da II Liga em janeiro de 2019, o comandante colocou o Benfica nos eixos e guiou um escrete imparável no Campeonato. Durante a invencibilidade de 19 jogos, destacaram-se as incontestáveis vitórias no Estádio do Dragão (2 a 1, de virada) e no Estádio José Alvalade (4 a 2), o maiúsculo triunfo em Braga (4 a 1) e a impressionante goleada de 10 a 0, em Lisboa, contra o Nacional. No cenário internacional, o SLB despachou o Galatasaray, com vitória inédita na Turquia, e o Dínamo Zagreb, na prorrogação, até sucumbir diante do Eintracht Frankfurt, pelo critério do gol qualificado, nas quartas de final da Liga Europa.


Ao final da temporada 2018-2019, com mais uma goleada no Estádio da Luz (4 a 1 frente ao Santa Clara), com incríveis 103 gols (!!!) anotados no Campeonato e com 87 pontos somados (apenas um ponto atrás do Benfica de 2015-2016, à época treinado por Rui Vitória, recordista do Campeonato), o trabalho do jovem técnico de 43 (hoje 44) anos foi merecidamente coroado com a Reconquista.



Mais do que os excelentes resultados: dava gosto de ver o Benfica jogar. O time não se intimidava com a bola no pé, protegia-se na defesa com inteligência, marcava os adversários sob pressão e sempre visava o gol. Brilharam as estrelas de Odysseas, Florentino, Rúben Dias, Gabriel, João Félix, Rafa Silva, Pizzi, Jonas e companhia. E a conquista da artilharia por Seferovic foi uma surpresa muito bem-vinda.


Os erros que provocaram o ponto final


Um ano e meio depois, a Era Lage acabou, mas não do jeito que gostaríamos, com o técnico cumprindo a missão de levar mais taças para o Museu Cosme Damião e caminhando rumo a novos desafios na carreira. O desfecho melancólico foi uma consequência de sucessivos, e até mesmo inexplicáveis, erros. Dentro de campo, o mister insistia em jogadores – a exemplos de Ferro, Dyego Sousa, André Almeida e Pizzi – que nitidamente não estavam bem. E as leituras de jogo eram incompreensíveis. Perdemos as contas de quantas vezes Taarabt, Weigl e Chiquinho, atletas com qualidades técnicas e imenso potencial de contribuição, e Samaris, reconhecido na casa e admirado pela torcida há muito tempo, foram "sacrificados" em nome de estratégias que mais tarde comprovaram-se como erradas.


A equipe apresentava sistema defensivo vulnerável, mostrava pouca eficácia nas finalizações e, na maior parte do tempo, não sabia o que fazer quando tinha a pelota nos pés. Há quem possa dizer que a frieza dos jogos com portões fechados, medida adotada em decorrência da pandemia de Covid-19, tenha atrapalhado o time, porém, ao meu ver, a influência desse aspecto no desempenho dos jogadores é minima. Devemos recordar os vareios de bola do Porto (2 a 0, no primeiro turno da Liga) e do Braga (1 a 0, na sequência de jogos que nos tirou da liderança), bem como o empate amargo contra o Moreirense (1 a 1), em plena Catedral lotada.


Somados ao desperdício da vantagem de sete pontos na liderança, roteiros como o 0 a 0 contra o Tondela, a vantagem de dois gols desperdiçada diante do Portimonense (2 a 2), a virada inacreditável do Santa Clara (4 a 3) nos acréscimos, os pênaltis perdidos nos tropeços contra Marítimo e Vitória de Setúbal (1 a 1 em ambos os duelos), e até mesmo as vitórias sem brilho contra Gil Vicente (1 a 0) e Rio Ave (2 a 1), simbolizaram que era questão de tempo para o Benfica de Bruno Lage ruir. E o que dizer sobre a postura na primeira mão dos 16 avos de final da Liga Europa (a presença na competição foi consequência da eliminação precoce na Liga dos Campeões, vale recordar), contra o Shakhtar Donetsk, na Ucrânia, onde o Benfica nitidamente jogou para perder de pouco e para tentar resolver a eliminatória em casa, estratégia confirmada pelo comandante após o jogo? Tamanha mentalidade não tem nada a ver com a grandeza do Glorioso, mesmo!


Fora das quatro linhas, Lage se perdeu em um personagem desagradável. Quando era questionado sobre os resultados, espalhava a falsa retórica de que a equipe jogava bem e perdia por detalhes. Na terça-feira da semana passada (23), na sequência da derrota de 4 a 3 para o Santa Clara, no Estádio da Luz, o técnico insinuou que a imprensa esportiva estava armando um complô para tirá-lo do cargo. "Fico pensando quem está lhes pagando almoços, jantares e viagens para entrar no meu lugar", atacou em entrevista coletiva.


Posteriormente, conforme informações do jornal português Record, o Sindicato dos Jornalistas de Portugal repudiou tal postura e pediu provas ao profissional. "Na ausência dessas provas, o Sindicato dos Jornalistas exige a Bruno Lage que se retrate publicamente e ao Benfica que se demarque das declarações do treinador", pontuou a entidade em comunicado oficial. Lage não tocou mais no assunto.



Ainda sobre esse pós-jogo, a emissora portuguesa SIC veiculou um suposto desentendimento entre o volante Samaris e o treinador no vestiário. Na altura, relatou o veículo de comunicação, o jogador estava irritado com a postura do mister em meio à crise benfiquista. Um sinal de que a relação entre o chefe e o elenco não era mais saudável.


Ao confirmar a saída de Bruno Lage, na conferência de imprensa depois da derrota de ontem (2 a 0) para o Marítimo, o presidente Luís Filipe Vieira declarou que o técnico, quando colocou o cargo à disposição, confidenciou-lhe que "parece que todos querem que eu vá embora". Pouco antes, ainda no gramado, com o revés já consolidado no Estádio dos Barreiros, na Ilha da Madeira, o mesmo Lage apresentara uma postura muito diferente da relatada pelo mandatário. "Estamos todos no mesmo barco. Sinto o apoio de todas as pessoas. Todos querem que eu tenha sucesso no clube", disse o treinador ao repórter.


No momento em que foi perguntado sobre a procura do Benfica por outro técnico para a próxima temporada, Lage se mostrou muito incomodado e deixou o campo. Já foram noticiadas pela imprensa, em Portugal, no Brasil e ao redor do mundo, a recusa do ex-benfiquista Jorge Jesus, hoje papa-títulos no Flamengo, e as especulações em torno de nomes como Marco Silva e Mauricio Pochettino.


Bruno Lage saiu, mas não era o maior dos problemas do Benfica



Lamentamos profundamente pelo fim da Era Lage ter acontecido dessa forma. Sabemos dos seus méritos no nosso 37º título nacional e lhe seremos eternamente gratos pela Reconquista. Gostaríamos que ele trabalhasse no clube por mais tempo, conquistasse muitos outros títulos e revelasse e motivasse ainda mais os jovens talentos da base. Infelizmente, pelos motivos já citados, sua presença na agremiação era insustentável. E isso é muito triste.


Mesmo com a saída de Bruno, não devemos nos enganar: o maior problema do Sport Lisboa e Benfica senta na cadeira de presidente. É Vieira o responsável por falhas de planejamento, tais como constantes trocas de técnico e má construção do plantel, e pelos resultados ruins no campo.


Desde 2003, quando LFV assumiu a presidência, o Benfica teve oito técnicos diferentes: José Antonio Camacho, Giovanni Trapattoni, Ronald Koeman, Fernando Santos, Quique Flores, Jorge Jesus, Rui Vitória e Bruno Lage. Média de uma troca de treinador a cada dois anos, aproximadamente. JJ ocupou a área técnica por longos seis anos e foi, portanto, uma exceção no meio dessa dança das cadeiras.


Segundo o diário português A Bola, o Benfica praticou, no ciclo 2019-2020, o maior investimento desta década: 64,6 milhões de euros. Por que o clube dispõe de um elenco com limitações mesmo desembolsando tanto dinheiro? Ainda segundo esse levantamento, presente na imagem acima, o investimento para 2017-2018, época na qual o SLB falhou na busca pelo inédito pentacampeonato nacional e viu o FCP ser campeão, foi de 9,65 milhões de euros, o menor da década. Daí, faço outra pergunta: por que o valor, para uma temporada promissora, foi tão baixo?!


O mandatário também está por trás das mentalidades que adentraram na Luz e vêm sugando os adeptos: a do resultado pelo resultado; a de que já está de bom tamanho ganhar o Campeonato; a de que é "questão de tempo" para o clube voltar a ganhar títulos fora das fronteiras de Portugal, ainda que o planejamento apresente muitas falhas.


E as próximas eleições presidenciais? Há quem diga que Vieira colocará panos quentes na crise e fará o que estiver ao seu alcance para a reeleição. Há quem defenda a antecipação do pleito, originalmente marcado para o mês de outubro, de modo que a gestão eleita, sendo a atual ou a da oposição, responsabilize-se pela próxima janela de transferências – posicionamento completamente plausível, diga-se. Há quem diga que Vieira pensa em desistir da reeleição. Em suma, existem muito mais dúvidas do que certezas.


Os torcedores, e sobretudo os sócios, devem continuar vigilantes e aumentar as cobranças. Do Benfica se exige o que o clube pode conquistar, e o SLB tem capacidade para muito mais.


Fotos: NurPhoto/Getty Images e Reprodução/Twitter

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