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Um clube intoxicado: crítica ao comunicado da direcção

“Esta Direção jamais permitirá que o trabalho de anos seja minado por oportunismos, aventureirismos e ambições sem sentido.”

(em Comunicado da Direcção emitido a 8 de Fevereiro de 2021).


Escrevo este texto antes do jogo com o Famalicão, e não mudarei uma vírgula mediante o que acontecer. Não sei se perdemos, se empatámos, se ganhámos e se, como desejo, ganhámos por muitos. Para este caso, e sendo sempre importante, não é relevante. Um jogo é só um jogo. Arrisco até a dizer, embora isto vá de encontro a alguma falta de ambição: um campeonato é “só” um campeonato. Actualmente, o Benfica encontra-se numa situação que vai para além de jogo A ou B, para além de campeonato X ou Y. O Benfica está intoxicado.


Cerca de uma hora antes de mais uma partida para a Liga, surgiu um comunicado por parte da Direcção. Um comunicado (mais uma vez) revelador, coberto de um discurso de relativização, desresponsabilização, e de ataques anónimos a alvos pouco ou nada definidos.

Comece-se pelo princípio. A Direcção reuniu-se para discutir o momento no futebol e nas modalidades. No resto do comunicado, as modalidades parecem ter sido esquecidas. Voltemo-nos então para o futebol. É referido ter-se procedido ao “exame das circunstâncias” que andam a condicionar a actividade e os resultados obtidos, identificando-se os “factores que os influenciaram”. Desde logo, este parágrafo, algo vago, indicia uma coisa: são as “circunstâncias”, os “factores”, isto é, o contexto – e um contexto externo, não interno – que explica os resultados da equipa.


Os próximos parágrafos confirmam esta ideia, desde logo com a conclusão de que será dado apoio aos jogadores e ao treinador, isto é, os aparentes responsáveis (e não a Direcção) pela situação difícil. Depois, segundo o comunicado, procedeu-se também à monitorização dos “impactos da crise provocada pela pandemia”, que se diz não serem apenas na vertente desportiva (confirmando-se como factor externo, e realçável, para os resultados), mas também nas finanças. Ora, e atendendo novamente à tal justificação desportiva, de realçar, aqui, a introdução da questão das finanças, que poderá ganhar importância ao longo dos próximos tempos. Novamente, e por antecipação, parece existir a protecção da Direcção quanto a este tema, já que é debatido numa perspectiva de factor externo, do contexto pandémico como eventual causador de uma situação financeira que poderá ser algo complicada. Ora, não nego a relevância da pandemia nas contas do clube; pelo contrário, é uma situação importante, a ter em conta, não só para o Benfica mas para qualquer clube. No entanto, esta já parece estar a ser posicionada como a responsável por eventuais más contas, depois de, num impulso eleitoralista, o clube, inserido numa situação pandémica por todos mais do que conhecida, ter gastado o dinheiro que gastou, fruto de uma nova política, repentista e indefinida, que, pois, não parece ter resolvido problemas de planeamento que duram há anos. Assim, já se sabe: também a eventual questão das finanças, a ser colocada no futuro, será fruto de circunstâncias externas, exteriores, das quais, verdadeiramente, esta Direcção não é em nada responsável.

Portanto, no seguimento da infeliz entrevista (ou performance colectiva, se assim se quiser chamar) de Rui Costa à BTV, volta-se neste comunicado, no essencial, ao mesmo. A culpa, nomeadamente dos resultados desportivos, é externa à Direcção. É dos outros. É da pandemia. Nós, a Direcção, não temos nenhuma responsabilidade, nenhuma culpa. São as “circunstâncias”, não é a nossa incompetência. É o “contexto”, e não o nosso planeamento, a nossa falta de visão para o clube.


Na verdade, isto não surpreende em nada, e, para quem está atento à postura de diversas pessoas que compõem esta Direcção, é o discurso esperado.


Por outro lado (e sem que tal seja, também, surpreendente), o comunicado termina com o ataque ao exterior e, como se disse, a alvos pouco ou nada definidos. Diz-se que a Direcção irá “enfrentar” os que “se queiram aproveitar da situação para tentar enfraquecer o Clube”, e termina-se com a frase citada no início deste artigo, em que a Direcção descarta “oportunismos, aventureirismos e ambições sem sentido.” Ninguém, em concreto, é mencionado.


Ora, a questão do oportunismo e do aventureirismo já é frequente há muito tempo. Já sabemos: eles é que não são nem oportunistas nem aventureiros, e os outros, os outros todos, são tudo isso e mais alguma coisa. Eles são os maiores, os profissionais; os outros, que criticam, são os amadores, os abutres. E que, pasme-se, têm “ambições sem sentido”. O que será isto? Ganhar um campeonato em Portugal? Criar condições para que o clube, a médio e longo prazo, ganhe mais vezes do que perde? Ter um planeamento desportivo minimamente competente, e não frequentemente pautado por incompetência? Exigir responsabilidades a quem de direito? Serão estas as ambições sem sentido de que falam?


Do comunicado, portanto, surgem duas conclusões por parte da Direcção: os problemas que temos tido são por causa da pandemia e das pessoas que criticam. A Direcção não tem culpa nenhuma. E os outros – esses, os que «andam por aí» – só desajudam e têm de ser combatidos.


Portanto, este é um clube que se encontra numa fase, já demasiadamente duradoura, de intoxicação. A questão a colocar é: o que fazer para solucionar isto?

Não sei, mas não deixo de ter as minhas ideias. À cabeça, desde logo – e partindo desta situação dita “intoxicante” –, parece-me importante, precisamente, desenvolver, através da crítica discursiva, um processo de desintoxicação do clube. Ao ver na BTV, constantemente, homens como Pedro Guerra, que fazem um trabalho de desculpabilização do actual presidente, bem como de outros comentadores que, no seu direito, pululam pelos diversos meios de comunicação, percebe-se melhor por que o clube está intoxicado. A cultura do medo – o papão do Vale e Azevedo, dos oportunistas, dos outros, que não nós, que são uns aventureiros, uns malandros, todos – é incentivada por estas pessoas e, principalmente, pelo actual presidente e elementos que o apoiam. É um processo que já vem de há anos e que, e aqui está o problema, parece fazer a cabeça a muitos benfiquistas. Há muita gente que não se consegue desvencilhar deste tipo de discurso. O problema não é apoiar estas pessoas, o que, naturalmente, se respeita; o problema é estar-se de tal modo enredado nesta «ideologia vieirista» que não se percebe o mais básico: que há posturas que não fazem sentido, que não respeitam os valores do clube, e que não respeitam os muitos adeptos e sócios que, de forma construtiva, têm todo o direito de se manifestar contra a Direcção actual.


Assim, e terminando, parece-me sensato começar, e de forma cada vez mais abrangente, a desconstruir este discurso do medo, da desresponsabilização, e do ataque despropositado e prepotente, algo que procurei aqui fazer. Não se pode continuar a dizer coisas sem fundamento, disparatadas, sem que exista, inclusivamente de pessoas com alguma influência pública, a crítica a este tipo de discurso. E, de preferência, que o façam, e façamos todos, sem sermos influenciados por resultados desportivos pontuais. O processo de desintoxicação tem também de ter isso: ver para além de resultado A ou B, e criticar de forma fundamentada sem a influência de uma eventual euforia ou depressão.


Outras soluções, e com certeza mais importantes, existirão. Que os benfiquistas se cheguem à frente. Ao contrário do que querem fazer crer, a crítica construtiva é, e mais do que nunca, necessária. E também, agora que penso nisso, alguma “ambição sem sentido”. Sim, talvez seja também precisa, da parte de todos nós, isso mesmo: alguma “ambição sem sentido”.


▶ Texto enviado pelo benfiquista Pedro Pais.


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