Na manhã seguinte à final da Champions, como em quase todos os restantes dias, a minha filha de três anos acordou-me logo pela fresca e disse: “Papa! ich will Paw Patrol gucken!”. Para todos os campeões que não falam a língua do nosso mister, eu traduzo: "Papá! Eu quero ver a Patrulha Pata!".
Para não começar o dia com discussões, obedeci. Pus o tal programa canino na televisão e de telemóvel na mão, sentei-me ao lado dela, passando os meus olhos cheios de ramelas pelas redes sociais. A primeira imagem que vi foi a de uma senhora — com idade para ser avó de um Benfiquista de 37 anos como eu — com um colete laranja a ser algemada.
Li o post e fiquei a saber que fazia parte do movimento “Just Stop Oil” e que foi presa por marchar pacificamente pelas ruas de Londres, exercendo o seu direito de desobediência civil, exigindo ao governo inglês que não imita novas licenças de exploração de petróleo.
De seguida, vi uma imagem apocalíptica de Nova Iorque envolta em fumo vermelho. “Os potes de fumo do Marquês já atravessaram o Atlântico?” — pensei eu enquanto esfregava e limpava os olhos, para me certificar que estava a ver bem. Depois li a notícia e percebi que, infelizmente, não era o fumo dos festejos do 38 que engolia Nova Iorque, mas sim o das florestas Canadianas que ardiam.
Por último, vi uma imagem do Bernardo a levantar a orelhuda vestido de azul, e aí é que fiquei mesmo maldisposto. Este mundo está mesmo todo f****o, disse eu para os botões do meu pijama. Em três imagens, vi um mundo que arde — devido ao aquecimento global — enquanto os que protestam contra os lobbies dos grupos petroleiros são presos e um clube financiado pelo dinheiro dos combustíveis fósseis ganhar a maior competição de clubes do mundo.
De repente, o Marshal — cão bombeiro da Patrulha Pata — numa cena digna dos Malucos do Riso —, escorrega e cai em cima dos outros cães. A minha filha partiu-se a rir, e o seu riso salvou-me do doom scrolling. A sua gargalhada e o mundo feliz da Patrulha Pata fez-me sonhar com um mundo melhor.
Ora imaginem comigo, imaginem um mundo, em que o futebol não fosse uma indústria inflacionada pelo dinheiro do petróleo.
Imaginem um mundo, em que príncipes — mais ricos do que muitos países — não sejam donos de clubes que competem contra clubes de associados.
Imaginem um mundo, onde o futebol não fosse usado para lavar dinheiro feito às custas da saúde do planeta.
Imaginem um mundo, onde houvesse um tecto salarial, que permitisse aos jogadores tomar decisões de carreira, não só com a carteira, mas também com o coração.
Imaginem um mundo, sem repressão policial, nem para calar protestos, nem para calar festejos.
Imaginem um mundo, onde todos pudessem erguer livremente as suas bandeiras, por festejo ou protesto, dentro e fora dos estádios.
Imaginem um mundo, onde o futebol é feito de democracia e associativismo e não de oligarquia e negócio.
Nesse mundo, estou certo de que veríamos o Bernardo, o Rúben e o Ederson a levantar a orelhuda, não vestidos de azul petróleo, mas sim de vermelho à Benfica. E com eles, o Cancelo, o Neves, o António Silva, o Florentino, o Renato, o Guedes, o Ramos e o Félix, todos envergando o nosso lindo Manto Sagrado.
Entretanto, o episódio da Patrulha Pata termina e a minha filha grita com a urgência de quem não come há uma semana “Papa ich habe hunger!” Enquanto a pego ao colo e a levo para a cozinha, apercebo-me que o que ela urgentemente necessita, não é uma tigela de cereais, mas sim de um mundo melhor. O tal, onde o Benfica seria verdadeiramente o maior clube do mundo.
▶ Texto enviado pelo benfiquista Fábio Santos.
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