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A camisola de Pelé

Uma vez deteve uma guerra: a Nigéria e Biafra fizeram uma trégua para vê-lo jogar. Vê-lo jogar valia bem uma trégua e muito mais.” (…) nós, que tivemos a sorte de o ver jogar, recebemos dele oferendas de rara beleza: momentos tão dignos de imortalidade que nos permitem acreditar que a imortalidade existe.


Eduardo Galeano

Há quem diga que o escritor uruguaio é o Pelé da escrita. Eis, portanto, um exemplo da dimensão do legado deste homem. Pelé é, ainda hoje, uma unidade de medida porque o futebol mede-se em Pelés. É que depois dele muitos foram o novo Pelé, mas poucos chegaram perto. Depois dele só alguns acumularam recordes, mas poucos fizeram história.

Edson é a referência, é o exemplo, é o primeiro deus monoteísta deste jogo. Arantes deu o Brasil do futebol ao mundo e levou o Santos à gloria — infelizmente para nós. Nascimento criou o jogador verdadeiramente universal, tanto no mediatismo como no imediatismo do seu jogo.

Pelé foi um e múltiplos jogadores (link), foi força da técnica e técnica da força, foi provérbio popular e adjetivo de um povo. Pelé é história. Ponto.

Mas Pelé também é algo mais que me interessa muito. A morte de Pelé é mais um prego no caixão dos jogadores-clube. Pelé é Santos como Eusébio é Benfica ou Maldini é Milan. Penso nestes jogadores e sorrio. Eles são uma espécie rara que pode jogar toda a vida num só clube ou só ter um clube mesmo tendo vários. Spoiler: estes jogadores estão a morrer. Não voltam mais. Tornam-se criaturas quase místicas e sabemos bem como todos no futebol vibram com este lado mágico do jogo.

Eu sei que os tempos mudaram, que a poligamia é bem mais sensual do que a monogamia e que se um jogador é bom deve ser partilhado por vários adeptos. Contudo, há em mim o eterno desejo de ter no meu clube uma bela história Disney: nasceu, cresceu, jogou e marcou, capitaneou, reformou-se e no Benfica morreu. Assim, uma bonita história de A a Z em que contamos a sua vida a filhos, netos, amigos ou desconhecidos e dizemos que foi um jogador à antiga.

Ouve-se o apito final. Pelé morreu hoje, Maradona há dois anos, Cruyff há seis, Eusébio há oito, Garrincha há trinta e nove. Dizem-me que o “céu” tem uma super-equipa, até posso acreditar, mas acho que devíamos aproveitar melhor cada momento que temos com os nossos — família, amigos e jogadores — antes que algum superagente nos traia e só nos sobrem os vídeos e as memórias.

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